Há alguns meses comecei a leitura de certos livros que gostaria de ter lido por inteiro durante a graduação em História. Muitas vezes lemos capítulos, pela falta de tempo, já que precisamos abordar diversas visões em uma única disciplina. Recentemente, então, comecei a reler Eric Hobsbawm, um dos historiadores mais influentes da segunda metade do século XX.
Nessa onda, li A Era dos Impérios (1875–1914) e agora estou de volta à Era dos Extremos (1914–1991). Pelo momento em que leio, é impossível dissociar vestígios de acontecimentos atuais com o que se passou no entreguerras: se até a Primeira Guerra Mundial o mundo viu a ascensão dos movimentos operários e dos partidos socialistas, fica claro que a resposta veio em seguida, com a chegada ao poder, principalmente em países liberais europeus, da extrema direita na luta contra a revolução social. Guardadas as proporções, vemos um movimento semelhante aqui, agora.
Para explicar melhor o que estou tentando dizer, separei um trecho interessante do livro. É um pouco longo, mas é importante:
“O medo da revolução social, e do papel dos comunistas nela, era bastante real, como provou a segunda onda de revolução durante e após a Segunda Guerra Mundial, mas nos vinte anos de enfraquecimento do liberalismo nem um único regime que pudesse ser chamado de liberal-democrático foi derrubado pela esquerda. O perigo vinha exclusivamente da direita. E essa direita representava não apenas uma ameaça ideológica à civilização liberal como tal, e um movimento potencialmente mundial, para o qual o rótulo “fascismo” é ao mesmo tempo insuficiente mas não inteiramente irrelevante.
“Insuficiente porque de modo algum todas as forças que derrubavam os regimes liberais eram fascistas. E relevante porque o fascismo, primeiro em sua forma original italiana, depois na forma alemã do nacional-socialismo, inspirou outras forças antiliberais, apoiou-as e deu à direita internacional um senso de confiança histórica: na década de 1930, parecia a onda do futuro…
“Tudo tendia a favorecer os militares e promover a polícia, ou outros grupos de homens capazes de exercer coerção física, pois estes eram o principal baluarte contra a subversão. E de fato, o apoio deles foi muitas vezes essencial para a direita chegar ao poder. Todos tendiam a ser nacionalistas… em parte porque agitar bandeiras nacionais era um caminho tanto para a legitimidade quanto para a popularidade.”
HOBSBAWM, Eric. A Era dos Extremos: o breve século XX. São Paulo, Companhia das Letras, 1995, p.116.
O autor deixa claro então que, apesar do medo constante e real de uma revolução comunista na época, nenhum país liberal democrata europeu teve seu governo tomado pelos comunistas. A democracia do século XX falhou, de fato, pelas mãos da direita, seja ela fascista ou não. E quais eram as características desses governos? Nacionalistas e apoiados em forças coercitivas, como o exército ou polícia.
Se voltarmos um pouco, antes da Primeira Guerra, e observarmos o papel dos movimentos sociais na Europa entre o final dos 1800 e começo dos 1900, veremos que não foi um papel de tomada de poder. Na verdade, os movimentos socialistas vão acabar forçando os governos liberais desse período a aprovarem importantes direitos sociais e trabalhistas, aproximando-se da população com agrados oferecidos inicialmente pela esquerda, ao mesmo tempo em que afastavam o comunismo como uma ameaça à democracia.
Após a Primeira Guerra Mundial, entretanto, com a queda do czarismo na Rússia e a criação da União Soviética, o medo do comunismo se tornou real e tomou conta dos governos europeus. Esse medo é que fez com que os governos e as elites europeias se entregassem a políticos de uma direita extrema, e consequentemente anticomunista, que levaram o mundo à maior guerra que nós já vimos.
O Brasil de hoje encontra-se em uma posição que exige atenção. Nas eleições de ontem, o país elegeu talvez o parlamento mais conservador dos últimos 40 anos. Para a presidência, apesar de haver um segundo turno, parece claro que será eleito um candidato que representa o nacionalismo e as forças coercitivas. É também um candidato que promete acabar com a ditadura comunista.
Percebe-se que não é um discurso novo. Acabamos de ler a mesma coisa escrita na Era dos Extremos, de Hobsbawm. É um discurso influenciado pelos ideais que vimos surgir na direita europeia do entreguerras. A principal diferença, para mim, é que neste momento não há a possibilidade de vermos um governo comunista, como uma União Soviética, instalado no Brasil.
Dizer que o governo do Partido dos Trabalhadores foi uma ditadura comunista, ou simplesmente que era um comunismo brasileiro, é um equívoco. Quais semelhanças podemos apontar entre o Brasil de 2002–2016 e a União Soviética, a China, a Coreia do Norte ou a Cuba? Mas é no medo de nos tornarmos um desses países (como no entreguerras) que os brasileiros se aconchegam na extrema direita (como no entreguerras).
Charles Chaplin, quando filmou o Grande Ditador, já via os problemas de um governo autoritário na Alemanha nazista, mas, estando em 1940, ainda não sabia dos verdadeiros horrores da extrema direita — coisas que ainda hoje são tão absurdas que mal conseguimos acreditar. Talvez por isso muitos de fato ainda não acreditam. Resta saber se os paralelos irão continuar por aqui até chegar a esse ponto.